Ricardo David deixa o Vitória após a eleição do dia 24 deste mês — Foto: Maurícia da Matta/Divulgação/EC Vitória
A era Ricardo David no Vitória está a poucas semanas do fim. O mandato, que era até dezembro deste ano, teve o término antecipado diante do insucesso dentro de campo e da pressão política que agita os bastidores políticos do clube. Em Assembleia Geral Extraordinária (AGE), sócios decidiram pela realização de uma eleição geral, marcada para o dia 24 de abril, com segundo turno, se necessário, previsto para o dia 1º de maio. Enquanto o debate sobre o pleito dominava o clube, o presidente se manteve longe dos holofotes. As aparições e declarações públicas foram evitadas ao máximo. Na última semana, ele decidiu se manifestar, em conversa exclusiva com o GloboEsporte.com.
Ricardo David foi eleito em dezembro de 2017. Durante sua gestão, o Vitória disputou 85 partidas, com 28 triunfos, 26 empates e 31 derrotas. No ano passado, a equipe foi rebaixada para a Série B e, neste ano, eliminada da Copa do Brasil e do Campeonato Baiano ainda na primeira fase. Perto de se despedir do cargo de presidente, o atual mandatário rubro-negro admite que deixa o clube sem ter conquistado o sonhado e prometido sucesso no departamento de futebol. Por isso, a melancolia é o sentimento dominante em sua autoavaliação.
– Saio mais triste do que frustrado. Triste. A gente queria que os resultados fossem diferentes. Trabalhamos para isso. Me dediquei integralmente. Abandonei totalmente minha vida profissional, exigi que meus diretores tivessem dedicação exclusiva. Fiz uma gestão absolutamente honesta. Apesar do fogo cruzado com as questões do futebol, não há nenhuma queixa de uso indevido, malversação, trabalhamos com muito rigor nessa área. A gente acredita que tem que ser assim, a gestão de algo que não é próprio de ninguém, como o Vitória que é de uma comunidade, de toda a torcida. Deixo isso de legado, mostrar que é possível gerenciar um clube do tamanho do Vitória, tratar jogadores, empresários, com muita lisura dentro do processo.
Ricardo David foi eleito presidente do Vitória em dezembro de 2017 — Foto: Maurícia da Matta/Divulgação/EC Vitória
Além dos resultados ruins dentro de campo, a gestão de Ricardo David sofreu com problemas administrativos. Desde o fim do ano passado, o clube atrasou salários e outros benefícios, como férias e 13º. O salário de fevereiro foi pago com atraso para funcionários e jogadores. Apesar do cenário, o presidente considera que entrega um clube estruturalmente melhor do que aquele que recebeu, embora reconheça que o futebol foi a principal falha.
– Entrego algumas coisas melhores, outras piores. Peguei o Vitória na Série A e estou entregando na Série B. Então é pior, não tenho dúvida. Em outras áreas, não. Na área financeira, administrativa, jurídica, estamos muito mais organizados. Hoje tenho um Centro de Inteligência de Análise e Desempenho elogiado pelo [Claudio] Tencati, que tem todas as informações, análise do adversário, análise do próprio jogo, com ferramentas e software atualizados. Cheguei, e tinha uma pessoa no departamento; hoje funciona ativamente. Temos uma área jurídica mais organizada, acompanhando e fazendo acordos que repercutem na parte financeira do clube. Algumas áreas estão melhores do que encontrei. Fica o que não posso negar. Cheguei como presidente de um clube de Série A, entrego como clube de Série B.
A transição
O presidente eleito na próxima eleição pegará um clube com orçamento já aprovado, técnico com vínculo até o fim da temporada e 13 reforços contratados em 2019. Existe uma máxima sobre trocar o pneu com o carro em movimento. É basicamente o que o sucessor de Ricardo David precisará fazer, caso queira modificar os planos montados pela atual gestão.
Para explicar o motivo pelo qual seguiu contratando, mesmo com a definição sobre a antecipação das eleições, Ricardo David usa como justificativa a Série B, que tem início previsto para o dia 27 deste mês. O dirigente afirma que não poderia se esquivar de tomar decisões, sob o risco de o Vitória não ter condições de começar bem a principal competição do ano. Por isso, mesmo com o pleito marcado para o próximo dia 24, ele trocou o comando da comissão técnica, com a substituição de Marcelo Chamusca por Cláudio Tencati, e contratou novas peças, como o lateral-esquerdo Capa e o volante Dudu Vieira.
– Eu diria que qualquer clube de futebol está dividido em duas áreas. Tem o departamento de futebol, que é o coração de qualquer clube, e tem as outras áreas, a presidência entre elas, a presidência, parte política, marketing, finanças. Outras áreas que orbitam o futebol. O futebol tem um departamento, atletas com contrato, comissão técnica, que continuam com um trabalho normal, com funcionamento pleno. A transição se dá no comando da gestão, e estamos fazendo com todo cuidado. Não podemos parar o futebol porque vai mudar a gestão. Temos uma Série B que começa agora. Se olhar, vão perceber que os clubes que começaram bem a Série B tiveram isso como vantagem. O próprio Vitória, nas últimas duas vezes que subiu, teve isso. Foi bem no primeiro turno, juntou uma gordura. Tenho uma responsabilidade de prover ao Vitória os melhores recursos para começar bem a Série B. Isso não está sendo feito só da minha cabeça. Tenho reuniões diárias com a comissão técnica, treinador, auxiliares, ao final de cada treino a gente discute, me apontam as necessidades. A gente vai ao mercado. É o caso do Capa, lacuna que precisava ser preenchida. O Dudu Vieira também, ele [Tencati] tem falado na necessidade de reforçar essa área. No futebol, estamos tomando todas as decisões que precisam ser tomadas para assegurar ao Vitória um início de Série B forte. Temos a possibilidade de uma eleição com segundo turno em 1º de maio. A Série B já começou. Não dá para começar a planejar a Série B lá. É uma irresponsabilidade muito grande. Então, ficarei aqui até o último dia, tomando todas as decisões como se fosse até o fim do mandato.
Presidente concordou com a antecipação das eleições — Foto: Maurícia da Matta/Divulgação/EC Vitória
O sucessor de Ricardo David não encontrará o Vitória com cofres cheios. Pelo contrário. O clube ainda não definiu uma marca para substituir a Caixa como patrocinadora máster e vendeu seu principal ativo, o zagueiro Lucas Ribeiro, que foi transferido para o Hoffenheim, da Alemanha. As fontes de recursos são escassas, mas Ricardo David garante que entrega o clube sem salários atrasados. O futuro é que preocupa. O dirigente faz um apelo para que o próximo Conselho Deliberativo reveja o orçamento, definido em R$ 45 milhões, para que o Rubro-Negro tenha uma margem de manobra maior para a sequência de 2019.
– Estamos com os salários em dia. O Vitória está com todas as certidões na área de impostos e tributos. Profut em dia. A gente tem se esforçado muito para assegurar isso, que dá credibilidade para a instituição. Desde dezembro, não recebemos as cotas televisivas, que são os ativos maiores, então, com muito trabalho, conseguimos manter nossa estrutura. E vamos conseguir manter, sair com tudo em dia, essas variáveis que consideramos importantes para um clube de futebol. Salário de funcionários, direito de imagem, tudo em dia. (…) Enfrentaremos um campeonato difícil, a Série B é muito difícil. Teremos restrição orçamentária. Por exigência do Conselho Deliberativo, nosso orçamento é de R$ 45 milhões. Valor baixo para a estrutura do Vitória. Muito difícil. Conclamo o novo Conselho a revisar esse orçamento. O Conselho Diretor precisa ter mais liberdade. Com R$ 45 milhões, é muito difícil manter a instituição.
A limitação de recursos não significa que o novo presidente ficará impedido de contratar reforços. Ricardo David afirma que entrou em contato com o Palmeiras para avisar que deixará sob responsabilidade do novo presidente a escolha dos reforços que desembarcarão por empréstimo na Toca do Leão como contrapartida pela negociação que levou Luan para o Alviverde. O mesmo ocorreu com o Cruzeiro, que ainda precisa emprestar um atleta ao Vitória como parte da transferência de David, que foi para o clube mineiro no início de 2018.
– Uma das decisões que tomamos e conversamos internamente é que o Vitória tem direito a três jogadores integralmente pagos pelo Palmeiras em função do empréstimo de Luan. Essas contratações não faremos. São três contratações de um clube de expressão, jogadores que podem ser importantes para a gente. Eles estão em definição do elenco que continuará na Libertadores e na Série A. Decisão nossa é que não queremos negociar com o Palmeiras agora, para deixar para a nova direção, que terá a possibilidade de trazer três jogadores novos. Temos um jogador do Cruzeiro, que pagará metade do salário. Vamos deixar para a nova direção. Só aí estou falando de quatro jogadores.
Guerra política
A decisão pela antecipação das eleições ocorreu no início de março, após um acordo que teve como contrapartida a promessa de que nenhuma das partes levaria a eleição para o âmbito judicial. Ricardo David avalia que a mudança era necessária para dar novo fôlego ao clube. Ele pondera que o Conselho Deliberativo e o Conselho Fiscal estavam desfigurados e que o Conselho Diretor já não tinha apoio necessário para recuperar o clube.
– Obviamente que a antecipação das eleições está sendo possível porque três instâncias de poder do Vitória aceitaram. O Conselho Deliberativo, o Conselho Fiscal e o Conselho Diretor. Houve um consenso entre a gente. Foi muito importante a condução do presidente do Conselho Deliberativo, Robinson Almeida. Foi muito habilidosa. Isso se evidenciou na desclassificação do Campeonato Baiano. Ali a gente percebeu que estava na hora de dar uma oportunidade de o Vitória se reestruturar. Tínhamos um Conselho Deliberativo em que mais de 80 membros pediram renúncia ou foram afastados. Um Conselho Fiscal em que apenas dois membros eram remanescentes. O Conselho Diretor veio para cumprir mandato tampão sem nenhum suporte do Conselho Deliberativo. Isso tudo causava uma certa instabilidade na governança do clube. Foi uma atitude bastante punitiva dos três, que abriram mão do mandato para dar ao Vitória a oportunidade de realinhar as três instâncias.
Ricardo David faz um alerta de que a antecipação das eleições não significa o fim dos problemas no clube. A visão do dirigente é que a pressão política interfere diretamente no dia a dia do Vitória. Em três anos, o Rubro-Negro teve três presidentes diferentes. Eleito em 2016, Ivã de Almeida se licenciou após sete meses e entregou uma carta de renúncia pouco tempo depois. Vice-presidente, Agenor Gordilho assumiu interinamente em 2017 e deu lugar ao mandato tampão de Ricardo David, no fim do mesmo ano.
– A pressão política atrapalha o tempo inteiro. Não só atrapalha minha gestão, mas atrapalhou gestões anteriores e vai atrapalhar gestões futuras. Isso no Vitória é muito forte. A instituição precisa se permitir a aprender com os erros. E a ninguém tem sido dada essa oportunidade. Isso é muito ruim. Qualquer instituição aprende com os erros. Qualquer uma. Empresas, instituições públicas. O Vitória não permite isso. É ruim essa descontinuidade. Espero que a comunidade em torno do Vitória tenha mais tolerância com quem vier por aí. Estou falando isso pela primeira vez, seja lá quem for, não tenho qualquer restrição, qualquer um que estiver aqui precisa ter mais tolerância da torcida, Conselho Deliberativo, Conselho Fiscal. É preciso ter mais paciência. Quem vier vai encontrar um clube em situação financeira que, apesar de estar com todos os compromissos em dia, mas a manutenção até o fim da temporada, que é quando vamos precisar subir, vai precisar da compreensão de todos. E falo isso antecipadamente. Não sei quem será o presidente. Mas, seja quem for, precisará ter apoio. Espero também que consigamos manter o respeito e o ambiente democrático no Vitória. Isso é importante para a instituição. O Vitória não pode ser uma instituição de donos. Isso acabou. É preciso valorizar o ambiente democrático. Essas coisas amadurecem ao longo do tempo. É preciso ter tempo para amadurecer. É preciso ter paciência com quem vai chegar.
O novo presidente terá um mandato válido até o fim de 2022. O período para a inscrição de chapas termina nesta quarta-feira. No caso de haver mais de duas chapas na disputa pelo Conselho Diretor e nenhuma alcançar mais de 50% dos votos válidos, será realizado um segundo turno, do qual participarão apenas os dois grupos com maior votação. Havendo empate no segundo turno, será proclamada vencedora a chapa mais votada no primeiro turno. Persistindo o empate, a chapa cujo candidato à presidência tiver o maior tempo de associação será considerada vencedora.
Fonte: https://globoesporte.globo.com/ba/futebol/times/vitoria/noticia/ricardo-david-fala-de-transicao-e-avalia-gestao-entrego-algumas-coisas-melhores-outras-piores.ghtml
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