Aconselhado a se aposentar, Luan Silva expõe drama e luta por volta após três anos: "Vou conseguir"

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Luan Silva atualmente se recupera da quarta cirurgia no joelho e não tem previsão de retorno aos gramados. Ele mantém uma rotina de trabalho diário na fisioterapia e acompanhamento nutricional, feitos por conta própria.

Nos últimos dias, o jogador entrou em acordo com o Vitória pela rescisão de contrato. Em conversa com o ge, ele conta que tomou a decisão influenciado, principalmente, pela suposta falta de confiança do clube, que teria até recomendado a sua aposentadoria.

– Quando fiz o segundo exame e tinha evoluído muito pouco na visão deles, eu senti que eles não acreditaram em mim. Isso se tornou certeza. Dentre as cláusulas da rescisão, eles alegam que não acreditavam, que era melhor eu acabar me aposentando, nem sequer jogar "um baba", "bater uma pelada" na rua. Então, a situação foi essa – conta o jogador, em entrevista exclusiva.

A recomendação do Vitória para Luan se aposentar teria sido feita após jogador passar por avaliação do departamento médico do clube. O ge procurou Dilson Pereira Junior, diretor jurídico do Rubro-Negro, mas ele preferiu não dar detalhes sobre o laudo emitido na ocasião.

– O atleta se submeteu a exames aqui no Vitória. Depois, o Vitória apresentou um laudo. E as partes deram sequência ao que tinham ajustado. Dada a natureza da relação, o Vitória não pode se alongar sobre o assunto – disse Dilson.

O desfecho da relação entre Luan Silva e o Vitória vai de encontro à expectativa criada no começo da temporada, quando foi cogitado que o atacante pudesse até reforçar o Rubro-Negro no Campeonato Baiano 2023. No entanto, ele nega que estivesse perto de ter condições de jogar naquela época.

– Nunca existiu isso. As lesões não estavam cicatrizadas e, quando eu evoluía, começava a dar uma progredida, meu joelho incomodava, inchava, sentia dor. Isso [possibilidade de jogar o Baiano] nunca existiu. Eu vi as pessoas esperançosas com isso, com o fato de estar voltando, acho que falhei nesse aspecto de falar, mas não cabe fazer autocrítica. Fiquei meio em silêncio – afirma.

Formado nas categorias de base do Vitória, Luan era visto como um dos jogadores mais promissores do clube. Com passagem pelas seleções brasileiras de base, ele "explodiu" na Copa São Paulo de Futebol Júnior de 2018, ano de sua estreia no time profissional rubro-negro.

Contudo, as lesões atrapalharam a carreira do promissor jogador. No dia 19 de janeiro de 2019, ele sofreu o primeiro problema sério, ao romper o ligamento cruzado do joelho esquerdo, no empate em 1 a 1 com o Moto Club, pela Copa do Nordeste.

A confiança no potencial de Luan era tanta que, mesmo machucado e em recuperação de grave lesão, ele entrou no radar do Palmeiras, que acertou o empréstimo junto ao Vitória. Contudo, no primeiro treino com o novo time, o jogador lesionou a cartilagem do mesmo joelho e precisou de uma nova cirurgia.

– Para ser sincero, eu nem sabia que tinha cartilagem. Foi muito "do nada". Eu treinando, cheguei em casa e meu joelho incha – recorda.

Ex-médico do Vitória e responsável pela primeira cirurgia de Luan Silva, Wilson Vasconcelos nunca deixou de acompanhar o caso. Ele explica que o jogador estava plenamente recuperado da primeira lesão, até que uma nova pancada provocou uma entorse e o destacamento de uma parte da cartilagem do joelho. Desta vez, o tempo de recuperação seria ainda maior.

– Depois de a lesão cicatrizar, vai precisar de mais de seis meses [de recuperação]. Tratamento de ligamento recupera mais rápido, porque consegue trabalhar com a musculatura desde o início. A de cartilagem tem muita atrofia muscular, limitação, dá repouso, não pode pisar, usar muletas por longo tempo. Lesão, depois de cicatrizada, vai ter que passar por período longo de recuperação muscular. A de LCA [Ligamento Cruzado Anterior] consegue fazer a cicatrização em paralelo, com reforço muscular. Por isso o tempo pode ser até menor – conta.

A estreia de Luan pelo Palmeiras, então, só aconteceu quase um ano após ele ser emprestado pelo Vitória, no dia sete de março de 2020, em partida pelo Campeonato Paulista. Mas durou cerca de 40 minutos. O clima de euforia deu lugar às lagrimas na saída de campo, após o jogador se machucar no mesmo lugar da última lesão. Foi a última vez em que Luan Silva entrou em campo em uma partida de futebol.

As lesões eram um banho de água fria diante dos elogios recebidos por Luan. No curto período dentro de campo, o jogador impressionava a comissão técnica do Palmeiras, à época comandada por Vanderlei Luxemburgo – tanto que Luan foi inscrito pelo Verdão para a disputa da fase de grupos da Libertadores de 2020, foi relacionado para um jogo e assumiu a camisa 9 da equipe.

Mas, desde a terceira cirurgia, não houve retorno a campo para o atacante. Desta vez, os prazos para retorno não eram cumpridos. A dor persistia.

– A primeira de cartilagem, com o médico do Palmeiras, tive uma recuperação muito boa, não senti nada, conseguia fazer todos os exercícios. Quando iniciei com Luxemburgo lá, indo bem, ele me elogiando, acabei me lesionando [novamente]. Foi quando teve a pandemia, e eu tive uma lesão no quadríceps direito. Na transição dela, tive uma lesão maior, na membrana de colágeno. E aí começou a não conseguir mais, não tinha condição mais de voltar a treinar.

Ainda assim, a confiança na volta persistia. Um ano depois, após apenas um jogo pelo Palmeiras, Luan Silva teve o contrato de empréstimo renovado, desta vez com a compra de 15% dos direitos econômicos por R$ 3 milhões. O ativo, contudo, não foi mais aproveitado dentro de campo. Durante o período em que defendia o clube paulista, Luan foi operado duas vezes, todas por problemas na cartilagem do joelho esquerdo.

– Os médicos dizem que não tem explicação. Tem uma lesão de ligamento e, "do nada", tem uma lesão de cartilagem. Acho que até a membrana de colágeno que fiz, que foi em agosto de 2020, talvez tenha sido a primeira cirurgia em atleta de futebol. Foi logo depois dessa cirurgia que meu joelho não funcionou mais, não suportou cargas mais altas – lamenta.

O ge procurou os médicos que comandaram os últimos procedimentos cirúrgicos de Luan Silva, mas nenhum quis comentar o assunto. Já Wilson Vasconcelos, responsável pela primeira cirurgia tratada como sucesso, conta que as lesões na cartilagem são comuns no futebol e que a incidência depende de uma série de fatores.

– A lesões de Luan foram sempre traumáticas, pancada. Existem muitas questões, multifatoriais, que envolvem a própria lesão. Tem atletas que têm predisposição maior para ter a lesão. Por que que ele tem essa predisposição? Por causa do formato do joelho, inclinação do fator tibial, joelho mais estreito. Questões morfológicas e não modificáveis. Estrutura muscular consegue modificar, mas anatômica, não – explica.

Sem entender o motivo de tantos problemas físicos, Luan decidiu procurar outros jogadores que passaram por situações parecidas. Um deles foi o ex-jogador Ávine, que fez história no Bahia e também sofreu com problemas físicos até voltar a jogar. O lateral, porém, não retomou mais a velha forma.

Em março de 2022, Luan não teve seu contrato renovado com o Alviverde. O atacante chegou entrar com uma ação contra a equipe paulista cobrando reintegração, por entender que saiu do clube sem estar recuperado. A Justiça, porém, não concedeu a liminar.

A quarta cirurgia foi realizada no fim de abril de 2022, período em que Luan já não estava mais no Palmeiras.

Luan Silva passou a maior parte dos cinco anos que tem como jogador profissional entre idas e vindas no departamento médico e no trabalho com fisioterapeutas. Durante esse período, ele precisou lidar com a cobrança interna e externa – algumas duras demais para um jovem atleta.

– Pelo que passei, acho que me tornei uma pessoa fria, nesse sentido de não me abalar por absolutamente nada. Para um cara que não tem a cabeça boa ouvir uma coisa dessa é complicado.

Em Salvador, ele é acompanhado por uma equipe de fisioterapia, que trabalha na reabilitação e reestruturação do corpo do jogador. Fábio Arcanjo, profissional que comanda o tratamento, explica que o joelho esquerdo do atacante segue em assimetria, mas em progressão.

– Fizemos uma análise do padrão de movimento de Luan e percebemos que ele tinha inúmeras alterações de movimento que geravam sobrecarga no joelho. Então, do jeito que ele chegou, não ia jogar futebol nunca. Ele tinha um déficit de força muscular absurdo, gritante. Então, com a assimetria de membros, no caso de déficit de força muscular, é como um carro que anda com o pneu dianteiro direito vazio e o dianteiro esquerdo cheio. Então não dá para o carro seguir em frente. E Luan estava desse jeito. Um lado funcionando bem e o outro lado sem funcionar – avalia Arcanjo.

Neste momento, é contraindicado que Luan corra e exerça algumas funções básicas de jogador de futebol profissional.

– Pode, mas não deve. Nessa hora que nossa equipe é muito tranquila. Ele quer muito, só que ele tem que estar preparado para tal. E a gente deixa isso claro: “Você só vai fazer quando estiver preparado. A gente não vai lesionar você, não vai gerar sobrecarga em você". O trabalho aqui é feito cheio de parâmetro. A gente só iniciou o trabalho depois que fez todas as avaliações nele.

Ainda sem prazos definidos para retorno aos gramados, Fábio mostra otimismo na recuperação do jogador. Ele também cuidou do ex-lateral Ávine, que chegou a voltar a jogar após longo período em recuperação de lesão.

– O que acontece, ele me pergunta isso o tempo inteiro: 30 dias? 60 dias? 90? Seis meses? Depende. Existem inúmeros fatores que a gente sabe que vai têm que ser levados em consideração. Por exemplo: adesão ao tratamento. Que bom que Luan está fazendo todos os dias. Para você ter ideia, Luan já conseguiu, em menos de um mês, evoluir em aproximadamente 70% a força muscular do membro inferior esquerdo dele – diz.

– Recebemos um caso que é público, que é Ávine. Três anos sem jogar, todo mundo dizia que nunca mais jogaria futebol, e nossa equipe conseguiu colocá-lo para jogar futebol. Só que tem um problema, que, quando a gente termina o trabalho e dá alta para o atleta, a gente não tem como seguir o atleta por todos os clubes que vai passar. Isso que conscientizo muito Luan: você vai ter que trabalhar essa musculatura pelo resto de sua vida – completa.

Com décadas de experiências no futebol e conhecimento profundo sobre o caso, Wilson Vasconcelos também acredita na volta de Luan. O profissional cita o caso do ídolo do Flamengo Zico e aponta que a própria qualidade técnica do jogador pode ajudar a superar possíveis limitações físicas.

– Luan tem treinado e está se dedicando para se recuperar muscularmente e voltar. Zico jogou os últimos anos da carreira completamente machucado dos joelhos. Hoje ele manca, tem joelho bem estragado desde a época de atleta. Mas a qualidade dele suplantava.

O otimismo é acompanhado por Luan. As idas e vindas no departamento médico e o futuro incerto no futebol abalam, mas não são suficientes para colocar um ponto final na carreira do jovem atacante.

– Vou tentar até a última gota de suor. Hoje me considero um guerreiro por ter passado por isso. Tenho ciência de que não seria qualquer pessoa que passaria por isso. Muitos já teriam desistido. Muitas pessoas dependem de mim: minha família, minha esposa, futuros filhos, se Deus permitir. Não penso [em parar]. Por mim, já estaria usando a chuteira no campo.

A vontade de ver a camisa estendida no vestiário persiste. Também a de voltar a ouvir o seu nome sendo gritado das arquibancadas, talvez não no clube que gostaria ou no tempo que imaginava. Mas o sonho vive. E isso as lesões não são capazes de destruir.